Tudo Sobre Hipotireoidismo

Tudo Sobre Hipotireoidismo

Hipotireoidismo

Hipotireoidismo: Causas, Sintomas, Diagnóstico, Tratamento e Estratégias de Prevenção

Introdução

O hipotireoidismo é uma condição clínica caracterizada pela produção insuficiente de hormônios tireoidianos (principalmente T4 — tiroxina — e seu metabólito ativo T3 — triiodotironina) ou por uma redução na ação periférica destes hormônios. Trata-se de uma disfunção endócrina de alta prevalência, especialmente em mulheres e em populações idosas, com impacto significativo sobre o metabolismo basal, função cardiovascular, cognitiva e qualidade de vida. Sua detecção precoce, manejo adequado e programas de triagem neonatal são pilares fundamentais para reduzir morbidade e mortalidade associadas.

Fisiopatologia e classificação

Fisiopatologia: Os hormônios tireoidianos regulam múltiplos processos metabólicos. A deficiência hormonal reduz o consumo de oxigênio, diminui o metabolismo lipídico e glicídico, e altera a função cardíaca — com lentificação da contratilidade e bradicardia. A regulação é mediada pelo eixo hipotálamo-hipófise-tireóide (TRH → TSH → T4/T3); alterações em qualquer componente podem levar ao quadro clínico. 

Classificação: O hipotireoidismo pode ser classificado, de modo prático, em: primário (lesão da própria tireoide — o mais comum), secundário/central (defeito hipofisário) e terciário (defeito hipotalâmico). Também se reconhece o hipotireoidismo subclínico (TSH elevado com T4 livre normal) e o hipotireoidismo congênito, este último crítico para o desenvolvimento neurológico e alvo de triagem neonatal. 

Etiologias principais

Doença autoimune (tireoidite de Hashimoto): é a causa mais comum de hipotireoidismo na maioria das populações, caracterizada por infiltração linfocítica e produção de anticorpos antitireoidianos (anti-TPO, anti-tireoglobulina).

Deficiência de iodo: em áreas com ingestão inadequada de iodo, a tireoide não sintetiza quantidades suficientes de hormônio, sendo a deficiência micronutricional uma causa importante em contextos epidemiológicos específicos. Programas de iodização universal do sal reduziram muito essa causa em muitos países, mas o problema persiste em áreas vulneráveis. 

Tratamentos destrutivos/iatrogênicos: tireoidectomia total, terapia com iodo radioativo ou radioterapia em pescoço podem induzir hipotireoidismo permanente.

Medicamentos e condições sistêmicas: amiodarona, litio, interferons e algumas condições críticas podem precipitar disfunção tireoidiana.

Causas centrais: tumores hipofisários, infiltrações e traumatismos que afetem a secreção de TSH podem causar hipotireoidismo secundário.

Quadro clínico

O espectro de manifestações é amplo e frequentemente insidioso, o que dificulta o reconhecimento precoce, sobretudo no hipotireoidismo subclínico e em idosos, nos quais sinais podem ser sutis ou confundidos com o envelhecimento.

Sintomas comuns: fadiga, intolerância ao frio, ganho ponderal, constipação, pele seca, alopecia difusa, voz abafada, lentificação psicomotora, depressão e bradicardia.

Avaliações especiais: sinais como mixedema (em casos avançados), hipoatividade reflexa, alterações laboratoriais — elevação do colesterol LDL e hiponatremia em casos graves — e o risco de cetoacidose não se aplicam como em diabetes, mas existe risco de descompensação sistêmica (coma mixedematoso) em infecções ou internações se não tratado adequadamente.

Diagnóstico laboratorial e critérios

O diagnóstico baseia-se na dosagem sérica de TSH e T4 livre (T4L). Em rotina clínica:

  • Hipotireoidismo primário franco: TSH elevado e T4L reduzido;
  • Hipotireoidismo subclínico: TSH elevado com T4L dentro da faixa de referência;
  • Hipotireoidismo central: TSH normal ou baixo com T4L reduzido — exige avaliação hipofisária adicional.

A interpretação deve considerar interferências analíticas, medicamentos e condição clínica aguda. A Organização Mundial da Saúde e sociedades científicas recomendam utilização de testes padronizados e atenção às variações de referência entre laboratórios.

Triagem neonatal

O hipotireoidismo congênito é responsável por sequelas neurológicas preveníveis se a terapia for instituída precocemente. Programas nacionais de triagem neonatal (como o Programa Nacional de Triagem Neonatal do Brasil) são essenciais para detecção e tratamento imediato, reduzindo risco de atraso no desenvolvimento psicomotor e comprometimento intelectual. As diretrizes brasileiras descrevem protocolos específicos para confirmação diagnóstica e início da terapia.

Tratamento — princípios e práticas

Terapia de reposição hormonal: a levotiroxina (L-T4) é o tratamento de escolha para a maioria dos casos de hipotireoidismo primário. O objetivo é restaurar níveis séricos de T4 livre e manter o TSH dentro da faixa de referência, ajustando dose conforme resposta clínica e laboratorial. Em adultos, a titulação inicial e monitorização obedecem intervalos de 6–8 semanas até estabilização; em populações especiais (idosos, cardiopatas) recomenda-se iniciação com doses menores e titulação cautelosa.

Hipotireoidismo subclínico: o manejo é individualizado. Recomendações contemporâneas indicam tratamento em pacientes com TSH persistentemente elevado e sintomatologia sugestiva, risco cardiovascular aumentado, mulheres grávidas ou que planejam gestação, ou na presença de anticorpos antitireoidianos. Consensos nacionais e internacionais fornecem algoritmos para decisão terapêutica. 

Considerações farmacológicas: a absorção da levotiroxina pode ser afetada por interações (ferro, cálcio, suplementos, alimentos), doenças gastrointestinais e má adesão. As formulações (tablete, cápsula líquida) e a administração em jejum são aspectos práticos importantes para otimização terapêutica. Recentes estudos observacionais também alertam para efeitos adversos potenciais do excesso de reposição (por exemplo, maior perda óssea em idosos se houver supressão iatrogênica do TSH), reforçando a necessidade de monitorização periódica e ajuste da dose. 

Monitoramento

Após início ou ajuste de dose, recomenda-se aferição de TSH (e ocasionalmente T4L) em 6–8 semanas, até que os níveis se estabilizem. Em pacientes com hipotireoidismo central, o monitoramento deve priorizar T4 livre e avaliação clínica, pois o TSH pode não refletir o estado tireoidiano. Durante a gestação, acompanhamento mais frequente e ajuste da dose são necessários devido às alterações na farmacocinética dos hormônios tireoidianos. 

Prevenção e estratégias de saúde pública

Políticas de iodização: a prevenção primária, quando aplicável, inclui programas de iodização do sal e vigilância nutricional para evitar deficiências endêmicas que levam ao hipotireoidismo. As ações de saúde pública devem manter monotorização do status nutricional em populações vulneráveis. 

Triagem e educação: promover rastreamento em grupos de risco (mulheres, idosos, história familiar, portadores de autoimunidade) e educação da população sobre sintomas, aderência terapêutica e interações medicamentosas é estratégia crucial para reduzir atraso diagnóstico e complicações.

O papel do biomédico e da equipe multiprofissional

Profissionais biomédicos são centrais no diagnóstico laboratorial (qualidade analítica, interpretação de resultados, garantia da cadeia pré-analítica), além de colaborar com ambulatorialização, rastreamento populacional e projetos de educação em saúde. A atuação integrada com endocrinologistas, médicos de atenção primária, enfermeiros e nutricionistas promove seguimento longitudinal e melhores resultados clínicos.

Aspectos especiais

Gestação: o hipotireoidismo não tratado na gestação aumenta risco de aborto, descolamento prematuro da placenta, pré-eclâmpsia e comprometimento neuropsicomotor fetal. Mulheres com hipotireoidismo em idade fértil devem ter planejamento e monitoramento pré-concepção e durante gestação. 

Idosos: a sintomatologia é frequentemente atípica; doses iniciais mais baixas e titulação cuidadosa são recomendadas para minimizar eventos cardiovasculares.

Conclusão

O hipotireoidismo é uma condição tratável, mas com potencial para complicações graves se não for detectado e gerido adequadamente. A base do cuidado inclui triagem neonatal eficaz, diagnóstico laboratorial confiável, terapia de reposição com levotiroxina ajustada clinicamente e monitorização laboratorial periódica. A integração entre políticas de saúde pública (como iodização quando indicada), educação em saúde e atuação multiprofissional é essencial para reduzir o impacto da doença na população.

Referências

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